Para ter acesso às fotografias da 11ª sessão das Leituras FLASH, acontecida no último dia 19 de dezembro, na Casinha Boutique Café e dedicada a Manoel de Barros, clique aqui.
12.20.2012
12.14.2012
11ª SESSÃO FLASH : MANOEL DE BARROS (10)
BOLA SETE
Bola Sete não botava movimento
Era incansável em não sair do lugar.
Igual o caranguejo de Buson que foi encontrado
de manhã debaixo do mesmo céu de ontem.
Manoel de Barros
Bola Sete não botava movimento
Era incansável em não sair do lugar.
Igual o caranguejo de Buson que foi encontrado
de manhã debaixo do mesmo céu de ontem.
Pra compensar tinha laia de poeta.
Dava qualidades de flor a uma rã.
Dava às pessoas qualidades de água.
Isso ele fazia com letras, não precisava se mover.
Onde estava era ele, a manhã e suas garças;
era ele, o acaso e suas cores; era ele, o riacho e suas margens; era ele, o horizonte e suas nuvens. Por aí.
Passarinhos brincavam nas paisagens de sua janela.
O mundo era perto.
Bastava estender as mãos que chegava no fim do
mundo.
Bola Sete não botava movimento.
Era um sujeito desverbado que nem uma oração
desverbada.
Dava qualidades de flor a uma rã.
Dava às pessoas qualidades de água.
Isso ele fazia com letras, não precisava se mover.
Onde estava era ele, a manhã e suas garças;
era ele, o acaso e suas cores; era ele, o riacho e suas margens; era ele, o horizonte e suas nuvens. Por aí.
Passarinhos brincavam nas paisagens de sua janela.
O mundo era perto.
Bastava estender as mãos que chegava no fim do
mundo.
Bola Sete não botava movimento.
Era um sujeito desverbado que nem uma oração
desverbada.
Manoel de Barros
11ª SESSÃO FLASH : MANOEL DE BARROS (9)
RUÍNA
Um monge descabelado me disse no caminho: "Eu queria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução. Minha ideia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera. Alguma que servisse para abrigar o abandono, como as taperas abrigam. Porque o abandono pode não ser apenas de um homem debaixo da ponte, mas pode ser também de um gato no beco ou de uma criança presa num cubículo. O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro. (O olho do monge estava perto de ser um canto.) Continuou: digamos a palavra AMOR. A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para a palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de um monturo". E o monge se calou descabelado.
Um monge descabelado me disse no caminho: "Eu queria construir uma ruína. Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução. Minha ideia era de fazer alguma coisa ao jeito de tapera. Alguma que servisse para abrigar o abandono, como as taperas abrigam. Porque o abandono pode não ser apenas de um homem debaixo da ponte, mas pode ser também de um gato no beco ou de uma criança presa num cubículo. O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra. Uma palavra que esteja sem ninguém dentro. (O olho do monge estava perto de ser um canto.) Continuou: digamos a palavra AMOR. A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela. Queria construir uma ruína para a palavra amor. Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de um monturo". E o monge se calou descabelado.
Manoel de Barros
12.13.2012
11ª SESSÃO FLASH : MANOEL DE BARROS (8)
O artista é um erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Manoel de Barros
in Livro sobre Nada [1996], in Poesia Completa, Lisboa, Caminho, 2010.
Manoel de Barros
in Livro sobre Nada [1996], in Poesia Completa, Lisboa, Caminho, 2010.
11ª SESSÃO FLASH : MANOEL DE BARROS (7)
AUTORRETRATO FALADO
Venho de um Cuiabá garimpo e de ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda de bananas no Beco da
Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá, entre bichos do
chão, pessoas humildes, aves, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de
estar entre pedras e lagartas.
Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.
Venho de um Cuiabá garimpo e de ruelas entortadas.
Meu pai teve uma venda de bananas no Beco da
Marinha, onde nasci.
Me criei no Pantanal de Corumbá, entre bichos do
chão, pessoas humildes, aves, árvores e rios.
Aprecio viver em lugares decadentes por gosto de
estar entre pedras e lagartas.
Fazer o desprezível ser prezado é coisa que me apraz.
Já publiquei 10 livros de poesia; ao publicá-los me
sinto como que desonrado e fujo para o
Pantanal onde sou abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei - pelo
que fui salvo.
Descobri que todos os caminhos levam à ignorância.
Não fui para a sarjeta porque herdei uma fazenda de
gado. Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral, porque só
faço coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.
Manoel de Barros
sinto como que desonrado e fujo para o
Pantanal onde sou abençoado a garças.
Me procurei a vida inteira e não me achei - pelo
que fui salvo.
Descobri que todos os caminhos levam à ignorância.
Não fui para a sarjeta porque herdei uma fazenda de
gado. Os bois me recriam.
Agora eu sou tão ocaso!
Estou na categoria de sofrer do moral, porque só
faço coisas inúteis.
No meu morrer tem uma dor de árvore.
Manoel de Barros
12.11.2012
11ª SESSÃO FLASH : MANOEL DE BARROS (6)
RAPHAEL
Quando Juvêncio apareceu
Mascava uma raiz de pobreza coisa que serve!
E cuspia dentro de casa o amargo em nós.
Na trouxa
Trouxe Raphael.
Raphael não era o pintor
Quando Juvêncio apareceu
Mascava uma raiz de pobreza coisa que serve!
E cuspia dentro de casa o amargo em nós.
Na trouxa
Trouxe Raphael.
Raphael não era o pintor
Nem o anjo de Raphael.
Ponhamos que fosse um anjo
O anjo de sua mãe
Petrônia descia lavandeira
Pro corgo.
Juvêncio curava do gado bicheiras
Raphael era um pouquinho miserável
Tal como sua idade o permitia.
À noite vinha uma cobra diz-que
Botava o rabo na boca do anjo
E mamava no peito de Petrônia.
Juvêncio acariciava o ofídio
Pensando fossem os braços roliços da mulher.
Petrônia tinha estremecimentos doces
Bem bom.
Cenário de luar. Segundo ato.
Papagaio louro de bico dourado estava com fome
Desceu das folhas verdes
Ou verdes folhas conforme apreciais melhor
E começou a roer um naco
Um naco da testinha tenra
De Raphael.
Havia estrelas no céu
Suficientes para o poeta mais de romântico possível
E eu poderia colocar outras peças
Muitas, além de estrelas. Porém.
Sou um pobre narrador menso
Fosse isto uma Grécia de Péricles, não vê
Que deixava passar este canto
Sem de hexâmetros entrar!
Mandava vir cítaras e eólicas harpas
Convocava
Anjos de bundas redondas e troços do fundo do mar.
Porém.
Nem toco harpas.
Só uma viola quebrada
Surda como uma porta
Mais nada.
De resto
Juvêncio não é um herói
Raphael não tem mãe Clitemnestra
E nenhuma cidade disputará a glória de me haver
dado à luz.
Falo da vida de um menino do mato sem importância.
Isto não tem importância.
Manoel de Barros
Ponhamos que fosse um anjo
O anjo de sua mãe
Petrônia descia lavandeira
Pro corgo.
Juvêncio curava do gado bicheiras
Raphael era um pouquinho miserável
Tal como sua idade o permitia.
À noite vinha uma cobra diz-que
Botava o rabo na boca do anjo
E mamava no peito de Petrônia.
Juvêncio acariciava o ofídio
Pensando fossem os braços roliços da mulher.
Petrônia tinha estremecimentos doces
Bem bom.
Cenário de luar. Segundo ato.
Papagaio louro de bico dourado estava com fome
Desceu das folhas verdes
Ou verdes folhas conforme apreciais melhor
E começou a roer um naco
Um naco da testinha tenra
De Raphael.
Havia estrelas no céu
Suficientes para o poeta mais de romântico possível
E eu poderia colocar outras peças
Muitas, além de estrelas. Porém.
Sou um pobre narrador menso
Fosse isto uma Grécia de Péricles, não vê
Que deixava passar este canto
Sem de hexâmetros entrar!
Mandava vir cítaras e eólicas harpas
Convocava
Anjos de bundas redondas e troços do fundo do mar.
Porém.
Nem toco harpas.
Só uma viola quebrada
Surda como uma porta
Mais nada.
De resto
Juvêncio não é um herói
Raphael não tem mãe Clitemnestra
E nenhuma cidade disputará a glória de me haver
dado à luz.
Falo da vida de um menino do mato sem importância.
Isto não tem importância.
Manoel de Barros
11ª SESSÃO FLASH : MANOEL DE BARROS (5)
A NAMORADA
Havia um muro alto entre nossas casas.
Difícil de mandar recado para ela.
Não havia e-mail.
O pai era uma onça.
A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por
um cordão
E pinchava a pedra no quintal da casa dela.
Se a namorada respondesse pela mesma pedra
Havia um muro alto entre nossas casas.
Difícil de mandar recado para ela.
Não havia e-mail.
O pai era uma onça.
A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por
um cordão
E pinchava a pedra no quintal da casa dela.
Se a namorada respondesse pela mesma pedra
Era uma glória!
Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da goiabeira
E então era agonia.
No tempo do onça era assim.
Manoel de Barros
Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da goiabeira
E então era agonia.
No tempo do onça era assim.
Manoel de Barros
11ª SESSÃO FLASH : MANOEL DE BARROS (3)
Quando a Vó me recebeu nas férias, ela me
apresentou aos amigos: Este é meu neto. Ele foi estudar no Rio e voltou
de ateu. Ela disse que eu voltei de ateu. Aquela preposição deslocada me
fantasiava de ateu. Como quem dissesse no Carnaval: aquele menino está
fantasiado de palhaço. Minha avó entendia de regências verbais. Ela
falava de sério. Mas todo mundo riu. Porque aquela preposição deslocada
podia fazer de uma informação um chiste. E
fez. E mais: eu acho que buscar a beleza nas palavras é uma solenidade
de amor. E pode ser instrumento de rir. De outra feita, no meio da
pelada um menino gritou: Disilimina esse, Cabeludinho. Eu não
disiliminei ninguém. Mas aquele verbo novo trouxe um perfume de poesia à
nossa quadra. Aprendi nessas férias a brincar de palavras mais do que
trabalhar com elas. Comecei a não gostar de palavra engavetada. Aquela
que não pode mudar de lugar. Aprendi a gostar mais das palavras pelo que
elas entoam do que pelo que elas informam. Por depois ouvi um vaqueiro a
cantar com saudade: Ai morena, não me escreve/ que eu não sei a ler.
Aquele preposto ao verbo ler, ao meu ouvir, ampliava a solidão do
vaqueiro.
Manoel de Barros
SOBERANIA
Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que
tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
do vento escorregava muito e eu não consegui
pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso
carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos
deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado
e disse que eu tivera um vareio da imaginação.
Mas que esses vareios acabariam com os estudos.
E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li
alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.
E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria
das idéias e da razão pura. Especulei filósofos
e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande
saber. Achei que os eruditos nas suas altas
abstrações se esqueciam das coisas simples da
terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase:
A imaginação é mais importante do que o saber.
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu
olho começou a ver de novo as pobres coisas do
chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam
o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas
podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania
nem pra ser um bentevi.
Manoel de Barros
alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio.
E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria
das idéias e da razão pura. Especulei filósofos
e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande
saber. Achei que os eruditos nas suas altas
abstrações se esqueciam das coisas simples da
terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase:
A imaginação é mais importante do que o saber.
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu
olho começou a ver de novo as pobres coisas do
chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam
o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas
podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania
nem pra ser um bentevi.
Manoel de Barros
11ª SESSÃO FLASH : MANOEL DE BARROS (2)
No
próximo dia 19 de dezembro, quarta-feira, juntamo-nos pelas 15h na
Casinha Boutique Café (Avenida da Boavista, 854) para ler Manoel de Barros e comemorar o seu 96º
aniversário. Sejam bem-vindos, tragam amigos e livros.
12.07.2012
11ª SESSÃO FLASH: MANOEL DE BARROS
Apontem na agenda: a 11º sessão FLASH está marcada para dia 19 de dezembro, 96º aniversário do poeta Manoel de Barros.
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