12.11.2012

11ª SESSÃO FLASH : MANOEL DE BARROS (6)

RAPHAEL

Quando Juvêncio apareceu
Mascava uma raiz de pobreza coisa que serve!
E cuspia dentro de casa o amargo em nós.

Na trouxa
Trouxe Raphael.

Raphael não era o pintor

Nem o anjo de Raphael.

Ponhamos que fosse um anjo
O anjo de sua mãe

Petrônia descia lavandeira
Pro corgo.
Juvêncio curava do gado bicheiras
Raphael era um pouquinho miserável
Tal como sua idade o permitia.

À noite vinha uma cobra diz-que
Botava o rabo na boca do anjo
E mamava no peito de Petrônia.

Juvêncio acariciava o ofídio
Pensando fossem os braços roliços da mulher.
Petrônia tinha estremecimentos doces
Bem bom.

Cenário de luar. Segundo ato.
Papagaio louro de bico dourado estava com fome
Desceu das folhas verdes
Ou verdes folhas conforme apreciais melhor
E começou a roer um naco
Um naco da testinha tenra
De Raphael.

Havia estrelas no céu
Suficientes para o poeta mais de romântico possível
E eu poderia colocar outras peças
Muitas, além de estrelas. Porém.
Sou um pobre narrador menso
Fosse isto uma Grécia de Péricles, não vê
Que deixava passar este canto
Sem de hexâmetros entrar!

Mandava vir cítaras e eólicas harpas
Convocava
Anjos de bundas redondas e troços do fundo do mar.
Porém.

Nem toco harpas.
Só uma viola quebrada
Surda como uma porta
Mais nada.

De resto
Juvêncio não é um herói
Raphael não tem mãe Clitemnestra
E nenhuma cidade disputará a glória de me haver
dado à luz.
Falo da vida de um menino do mato sem importância.
Isto não tem importância.


Manoel de Barros