12.25.2011

2ª SESSÃO : ADÍLIA LOPES (3)



Marianna faz vinte e oito anos
Marianna tem virtude
de imaginar
que abre cartas
abre
nervosamente
a caixa de bombons
que uma irmã lhe oferece
pelos anos
outra mais maliciosa
oferece a Marianna
um mealheiro
é um marco de correio
em ponto pequeno
Marianna queima-o na braseira
com dinheiro dentro
o dia em que eu nasci moura
e pereça
blasfema Marianna
o dinheiro não traz o marquês de Chamilly
o dinheiro não traz o marquês de Chamilly
sobretudo quando é pouco
pensa Marianna
mas não se deve pensar assim
nada pior do que estar apaixonada
por um gigolo
Marianna pensa em apaixonar-se
por um gigolo
Marianna enrosca-se como uma
mulher de Argel de Delacroix
para pensar no marquês como um gigolo
Marianna enrosca-se mais
mais

*

Algumas cartas de Marianna foram parar
a destinatários diferentes
por cansaço dos carteiros
e Marianna soube disso
ela andava pelos corredores do metro
a abordar senhores
desculpe não foi a si
que eu escrevi
comove-me tanto?
e os senhores apavorados
davam-lhe vinte e cinco escudos
a correr
e ela comprava mais selos
e ela comprava mais selos
não sei se é a si que estou a escrever
não me lembro das suas mãos bem
ontem no metro julguei reconhecê-lo
mas foi mais um terrível engano
mais tarde ou mais cedo todas as cartas
lhe serão devolvidas hermeticamente
fechadas
minha senhora o seu amante
não se encontrou nesta morada


A ILHA DOS AMORES PARA MARIANNA

Gloriantur
et letantur
in melle dulcedinis,
qui conandur,
ut utantur
premio Cupidinis.
simus iussu Cypridis
gloriantes
et letantes
pares esse Paridis!


LOPES, Adília.
in O Marquês de Chamilly (Kabale und Liebe), in Obra, Mariposa Azul, Lisboa, 2000.